sábado, 20 de fevereiro de 2010

CHEIRO DO PRODUTO VIRA ANÚNCIO COMERCIAL

João Evilázio Gomes

      A revista “Imprensa”, edição 91, abril 1995, publicou excelente artigo do jornalista Armando Nogueira. O texto, verdadeira pérola de redação, que deveria ser comentada em todos os níveis escolares, revela a história de um feirante, escrita por John Ruskin, em que o corte de palavras de um anúncio comercial é substituído pelo cheiro da mercadoria. O resultado, um sucesso de vendas. Quatorze anos depois, atendendo interesse de leitores, o texto foi republicado na edição 253, página 54, janeiro/fevereiro 2010. Por ser de grande importância, o transcrevemos na íntegra:

             ESCREVER É A ARTE DE CORTAR PALAVRAS

     DE QUE MESTRE DAS LETRAS TERIA PARTIDO ESSA PRECIOSA LIÇÃO?

                                                           Armando Nogueira

      Escrever é cortar palavras. Passei alguns anos certo de que o autor dessa preciosa máxima era Carlos Drummond de Andrade. Até que um dia perguntei ao poeta. Ele conhecia, mas negou que fosse dele. Confesso que fiquei desapontado. A sentença tinha a cara do mestre Drummond, cuja prosa é um exemplo de concisão.
      Otto Lara Resende desconfiava que pudesse ser de um escritor mexicano a ideia da dica preciosa. Eu, por mim, seria capaz de atribuí-la a John Ruskin, notável crítico inglês do século passado. Se não o disse, com todas as letras, certamente foi Ruskin quem melhor ilustrou o adágio, num conto antológico. É o caso de um feirante de peixes num porto britânico.
      O homem chega à feira e Lá encontra seu compadre, arrumando os peixes num imenso tabuleiro de madeira. Cumprimentam-se. O feirante está contente com o sucesso do seu modesto comércio. Entrou no negócio há poucos meses e já pôde até comprar um quadro-negro pra badalar seu produto.
      Atrás do balcão, num quadro-negro, está a mensagem, escrita a giz, em letras caprichadas: HOJE VENDO PEIXE FRESCO. Pergunta, então, ao amigo e compadre:
      - Você acrescentaria mais alguma coisa?
      O compadre releu o anúncio. Discreto, elogiou a caligrafia. Como o outro insistisse, resolveu questionar. Perguntou ao feirante:
      - Você já notou que todo dia é sempre hoje?
      - E acrescentou: - Acho dispensável. Esta palavra está sobrando...
      - O feirante aceitou a ponderação: apagou o advérbio. O anúncio ficou mais enxuto. VENDO PEIXE FRESCO.
      - Se o amigo me permite – tornou o visitante -, gostaria de saber se aqui nessa feira existe alguém dando peixe de graça? Que eu saiba, estamos numa feira. E feira é sinônimo de venda. Acho desnecessário o verbo. Se a banca fosse minha, sinceramente, eu apagaria o verbo.
      O anúncio encurtou mais ainda: PEIXE FRESCO.
      - Me diga uma coisa: Por que apregoar que o peixe é fresco? O que traz o freguês a uma feira, no cais do porto, é a certeza de que todo peixe, aqui, é fresco. Não há no mundo uma feira livre que venda peixe congelado...
     E lá se foi também o adjetivo. Ficou o anúncio, reduzido a uma singela palavra: PEIXE.
      Mas, por pouco tempo. O compadre pondera que não deixa de ser menosprezo à inteligência da clientela anunciar, em letras garrafais, que o produto aí exposto é peixe. Afinal, está na cara. Até mesmo um cego percebe, pelo cheiro, que o assunto, aqui, é pescado...
      O substantivo foi apagado. O anúncio sumiu. O quadro-negro também. O feirante vendeu tudo. Não sobrou nem a sardinha do gato. E ainda aprendeu uma preciosa lição: escrever é cortar palavras.
            
     

       

    

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